Fitoterapia

PlantaCiência para semear o conhecimento: a divulgação científica como elo de aproximação entre sociedade, botânica e farmácia

Leopoldo C. Baratto, 07/11/2023

Ilustração: Anna Sgarbi

Desde os primórdios da humanidade, o ser humano relaciona-se com a natureza de forma a obter benefícios. O uso de plantas medicinais remonta à era paleolítica, quando os humanos primitivos buscavam remédios para tratar seus problemas de saúde. Esse conhecimento ancestral atravessou os milênios através da linguagem oral e escrita, permitindo que hoje possamos redescobrir ou resgatar a tradicionalidade de uso dessas plantas.

A fitoterapia é uma prática integrativa e complementar que possui evidências científicas, auxiliando em diversos tratamentos. No entanto, com a expansão das mídias sociais e o fenômeno das ‘fake news’, notícias equivocadas e muitas vezes perigosas são divulgadas, colocando em risco a saúde dos usuários. Hoje em dia é praticamente impossível encontrar alguém que não possua alguma rede social; em 2023 a estimativa é de que 4,9 bilhões de pessoas estejam conectadas em alguma rede.1

Além do mais, mesmo com inúmeras plantas ao nosso redor, nos nossos jardins e espaços públicos, mesmo se alimentando de plantas, as pessoas não percebem a presença delas em seu dia a dia. O termo “impercepção botânica” foi criado justamente para denominar esse fenômeno de não reconhecimento das plantas nos ambientes que nos cercam.2 Você mesmo, caro leitor, consegue se lembrar de quais e quantas plantas você observa no trajeto entre sua casa e seu trabalho ou escola? 

Nesse contexto, surgiu em 2018 o PlantaCiência, um canal de divulgação científica no âmbito de um projeto de extensão da Faculdade de Farmácia da UFRJ. Inicialmente o PlantaCiência dedicou-se à criação de conteúdos digitais para divulgação nas mídias sociais, sobretudo no Instagram (@plantaciencia), e ainda em nosso website (www.plantaciencia.com). O conteúdo do PlantaCiência aborda a botânica de um modo geral, trazendo informações científicas, culturais e artísticas sobre as plantas, com foco nas plantas medicinais.

Produzimos infográficos com linguagem visual bastante atrativa, colorida, com muitas imagens e pouco texto; temos uma coluna semanal em que colunistas convidados e voluntários escrevem textos em linguagem acessível sobre variados temas; elaboramos um podcast vinculado à Rádio UFRJ — o ‘Minuto PlantaCiência’ —, contendo 25 episódios de curta duração que abordam diversas curiosidade sobre as plantas; reproduzimos vídeos e ‘lives’ comentando os temas dos infográficos que produzimos; oferecemos jogos didáticos — PlantaMemória e Jogo da Urtiga e Baralho dos Cientistas; além de livros e cartilhas, como “Plantas Nativas de Interesse Medicinal da Mata Atlântica”, “A fábrica de medicamentos da natureza”, “Manual Fitoterápico Amazônico” e “A Farmacognosia no Brasil”.

O PlantaCiência possui atualmente mais de 34,5 mil seguidores em todas as nossas redes sociais (Instagram, Facebook, YouTube e X (antigo Twitter)), com destaque para o Instagram, com mais de 28 mil seguidores. Nossos conteúdos têm um alcance de mais de 134 mil contas, considerando os últimos três meses (junho a setembro de 2023). Nossos seguidores são em sua maioria mulheres (68,6%) e vivem majoritariamente nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, e a faixa etária principal é de 25 a 34 anos (40,5%).

O perfil das postagens com maior alcance e curtidas está diretamente relacionado às plantas medicinais e à fitoterapia ou a curiosidades e histórias envolvendo as plantas. As postagens mais curtidas são, em 1º lugar, a do infográfico sobre “As plantas medicinais em Harry Potter” (4.947 curtidas), seguidas, em 2º lugar, pela divulgação do livro “Manual Fitoterápico Amazônico” (2.775 curtidas) e, em 3º lugar, a do infográfico sobre “Espinheira-Santa no SUS” (2.688 curtidas).

Figura 1 Divulgação do livro “Manual Fitoterápico Amazônico”, um dos conteúdos com maior número de curtidas em nosso perfil no Instagram

Percebendo que nossos conteúdos digitais tinham potencial para serem utilizados como material didático nas escolas, decidimos expandir nosso projeto para ações presenciais em escolas públicas do estado do Rio de Janeiro. As redes sociais estão cada vez mais presentes no dia a dia de alunos e professores e se tornaram uma extensão da sala de aula, onde a participação do estudante é bem-vinda.3 4

Marcada por tecnologias digitais, a cultura contemporânea gera novas relações sociais no âmbito educacional que precisam ser consideradas.5 Além do mais, a interação das crianças e adolescentes em idade escolar com experimentos científicos reforça o aprendizado teórico e ainda estimula a curiosidade científica. O nosso canal de divulgação científica nas redes sociais e na internet é uma ferramenta com potencial de ensino-aprendizagem e socioeducativo que deve ser explorada. 

Desse modo, começamos a realizar oficinas e feiras de ciências nos laboratórios de ciências dos colégios, que em sua maioria permaneciam subutilizados. Com isso, criamos uma oficina chamada “Da planta medicinal ao medicamento”, onde demonstramos experimentos práticos para os professores, que podem ser reproduzidos posteriormente com seus alunos.

Nesta atividade, apresentamos todas as etapas que uma planta precisa passar para ser transformada num medicamento fitoterápico, desde a análise morfológica e sensorial das drogas vegetais, análise de material estranho (impurezas), cromatografia e detecção de princípios ativos, e, por fim, encapsulamento de extratos e sistemas estruturados usando alginato.

Figura 2 Registro da oficina “Da planta medicinal ao medicamento”, realizada no projeto de extensão UFRJ Mar 2023, em Paraty-RJ, nos dias 23 e 24 de agosto de 2023. Escala de pH utilizando como indicador repolho-roxo.

A oficina, apesar de demonstrativa, sempre seleciona alguns alunos voluntários para vestir os jalecos e colocar a mão na massa. Nossa maior recompensa é observar o rosto de felicidade dos alunos, surpresos com os resultados dos experimentos.

Neste momento percebemos o quão transformador é o papel da universidade pública, ao expandir suas ações para as escolas, abrindo possibilidades e vislumbramentos, estimulando os jovens à carreira universitária e científica, além de mostrar também seu lugar de pertencimento ao ocupar aquele espaço.

Nosso projeto já realizou suas ações numa escola da Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro (Colégio Estadual Tia Lavôr), mas atualmente tem concentrado suas ações no interior do estado, principalmente na região serrana, por entender que as regiões mais distantes da capital são menos privilegiadas com ações de extensão. Nosso projeto participa de feiras de ciências e oficinas nos colégios estaduais (CE) Rui Barbosa e Araras, ambos em Petrópolis; CE Cortume Carioca, em Guapimirim; e CE José Martins da Costa, em São Pedro da Serra, Nova Friburgo. Recentemente, no mês de agosto, participamos do UFRJ Mar, em Paraty.

As ações nas escolas são registradas através de fotos e vídeos, que são utilizados para elaboração de roteiros de atividade prática. Nossa meta é disponibilizar em nosso site uma apostila contendo todos os experimentos desenvolvidos, para que os professores de todo o Brasil possam baixar e utilizar em suas aulas. Os materiais dessas atividades são de fácil aquisição, podendo ser adquiridos em supermercados, papelarias e farmácias, além de sugerir a utilização de alguns materiais recicláveis.

Com o apoio de agências de fomento, além das bolsas de extensão da UFRJ, o projeto procura ampliar cada vez mais suas ações. Desde a criação do projeto em 2018, já passaram mais de 20 alunos de graduação, sendo 6 destes bolsistas de extensão, dos cursos de Farmácia, Biologia, Química, Museologia, entre outros.

Com financiamento do edital Apoio à Melhoria das Escolas da Rede Pública Sediadas no Estado do Rio de Janeiro, da Faperj, dois professores e dois alunos de colégios estaduais recebem bolsas de apoio para execução das atividades do projeto, como desenvolvimento de um podcast, com roteiro criado e narrado pelos alunos de ensino médio, redação de cartilhas, criação e manutenção de um horto de plantas medicinais e organização das feiras de ciências.

Já com o apoio da chamada SBPC Vai à Escola, desenvolvida pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), nosso projeto tem realizado oficinas de capacitação de professores nos colégios estaduais, para que eles possam se tornar replicadores das atividades em seus ambientes de trabalho, além do fomento à criação de materiais didáticos, como os jogos de cartas.

Tanto as feiras de ciências quanto os conteúdos digitais permitem que os alunos apresentem conhecimento científico produzido por eles mesmos. Assim, os estudantes podem se sentir protagonistas de sua própria formação, explorando recursos criativos, relacionando conhecimentos de diversas disciplinas, desenvolvendo capacidades e habilidades desconhecidas, além de pensamento crítico.

As transformações tecnológicas têm alterado a nossa rotina com uma rapidez enorme, alterando metodologias e processos estabelecidos. Essa atualização também se reflete no ensino, com gerações de estudantes cada vez mais conectados à internet e com acesso às ferramentas digitais. É preciso que o ensino se volte para a incorporação dessas ferramentas como maneira de aprimorar suas metodologias. Dessa forma, os professores têm a tarefa de incorporar as ferramentas digitais em suas aulas de Ciências, Biologia e Química, a fim de torná-las mais dinâmicas e mais próximas da realidade dos alunos. As clássicas feiras de ciências não deixarão de existir; porém, com as ferramentas digitais, é possível expandir esses espaços pedagógicos.

Além do objetivo em estabelecer metodologias de ensino-aprendizagem sob a perspectiva das mídias sociais, o PlantaCiência confirma, ao longo dos seus anos de atuação, o compromisso em levar à sociedade em geral informações sobre as plantas pautadas em referências científicas, numa linguagem acessível para todos os públicos. Despertar a curiosidade das pessoas para aquilo que as cerca no seu cotidiano é uma forma de demonstrar a importância da ciência e dos cientistas para a nossa vida. O que você quer saber hoje sobre as plantas? O PlantaCiência te conta!

Notas

  1. Pacheco, D., 2023. Navegar é preciso! Regular (as redes) também. Jornal da USP, 28/07/2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/especial-desconstruindo-a-desinformacao-navegar-e-preciso-regular-as-redes-tambem/. Acesso em: 20/09/2023. [voltar]
  2. Parsley, K.M., 2020. Plant awareness disparity: A case for renaming plant blindness. Plants, People, Planet. 2:598–601. [voltar]
  3. Silva, F. S.; Serafim, M. L. Redes sociais no processo de ensino e aprendizagem: com a palavra o adolescente. In: SOUSA, R. P. et al. (orgs.). Teorias e práticas em tecnologias educacionais [online]. Campina Grande: EDUEPB, 2016, pp. 67-98. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/fp86k/pdf/sousa-9788578793265-04.pdf>. Acesso em: 30/09/2018. [voltar]
  4. Educação. Professores usam redes sociais para atrair participação dos alunos. 2012. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/educacao/professores-usam-redes-sociais-para-atrair-participacao-dos-alunos,3e6b42ba7d2da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>. Acesso em: 30/09/2018. [voltar]
  5. Lemos A; Cunha P (orgs.). Olhares sobre a Cibercultura. Cibercultura. Alguns pontos para compreender a nossa época. Porto Alegre: Sulina, 2003; p. 11-23. [voltar]
Leopoldo C. Baratto

Professor da Faculdade de Farmácia da UFRJ e dos Programas de Pós-graduação em Ciência e Tecnologia Farmacêutica da UFRJ e Ciências da Saúde da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Atua nas linhas de pesquisa História Natural, Etnobotânica Histórica e Fitoterapia baseada em evidências. Atualmente é Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Farmacognosia (2021-2023). Autor do livro “A Farmacognosia no Brasil: Memórias da SBFgnosia” (2021). Contato: leopoldo.ufrj@gmail.com

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