“Como outros tantos testemunhos do livro, o de Guilherme Vieira da Silva Aguiar (…) costura o retrato de uma sociedade às voltas com um momento de crise. (…) condensa diferentes aspectos que permeiam a sua existência na fronteira entre o conjunto de favelas do Caju e o campus do Fundão, onde fica a Faculdade de Letras da UFRJ” (leia mais em Voz dos alunos em livro artesanal)
agosto, 2020
Acordei de novo antes do alarme tocar. É foda quando a gente não tem mais direito nem ao sono. Ainda mais com esse dia chuvoso. A vontade de sair de casa já não existe, e com esse tempo, então, fica abaixo de zero. Isso tudo depois de ter dormido só quatro horas a noite inteira. Quando tenho trabalho pra entregar, a ansiedade fica a mil, mas só de não ter virado a noite fazendo já é motivo de comemoração. Passar um tempo na cama olhando pro teto e pensando em tudo, mas, ao mesmo tempo, sem pensar em nada, é fundamental pra não passar o dia com vontade de morrer. Vejo o céu clareando, meio acinzentado, pela janela que pouco ilumina o meu quarto. Ouço o barulho da chuva caindo nas telhas do terraço. É daquelas que a gente sabe que vai cair o dia inteiro. Espero que não aconteça nada de ruim pela cidade afora.
Fico na cama até o tempo limite pra não me atrasar. Moro do lado da faculdade, é rapidinho, como dizem, mas a realidade quem sabe sou eu e é sonho isso de poder se dar qualquer luxo no meu lugar. A caminhada até o banheiro é interminável. Quem olhasse iria achar que estou arrastando um desses containers abandonados lá pelos lados do Caju. No final do corredor, meu rosto no espelho não tá nada bem, mas isso nem um banho tira, no máximo faz escorrer um pouco as energias pelo ralo.
Fico na cama até o tempo limite pra não me atrasar. Moro do lado da faculdade, é rapidinho, como dizem, mas a realidade quem sabe sou eu e é sonho isso de poder se dar qualquer luxo no meu lugar.
Minha mãe ainda dorme. Sou incapaz de acordar ela, jamais me daria esse direito. Você não acorda quem trabalha desde os doze anos só pra falar que tá saindo de casa. Com a batida da porta tudo já vai ficar subentendido. Minha mãe lutou demais para agora, finalmente aposentada, conseguir ter no máximo sete horas de sono. Até porque a gente sabe que oito horas dormindo é coisa de quem tá com a vida ganha, e esse não é o caso dela. Aposentadoria é papel assinado no INSS e, pra quem ganha menos do que um salário mínimo, sempre é só um complemento. Meu pai já não se encontra mais em casa, trabalha informalmente como ajudante de pedreiro, tá longe desse “luxo” de aposentadoria. Sai cedo, volta tarde. Não pagou INSS, deu mole!
Saio pelo portão. Lá na frente, os caras já estão na atividade. Diferente de mim, eles certamente não dormiram. Os olhos estão esbugalhados e a gente sabe o que isso quer dizer. Já devem estar de sobreaviso, pode ter invasão. Quando eu passo, sempre dou aquele cumprimento com um aceno de cabeça ou, no máximo, um “Fala aê”. Todo mundo diz que gente de bem não se mistura, até minha mãe, sempre na tentativa de me proteger. Mas essa fala contém uma tremenda ingenuidade, dois ali estudaram comigo, eu seria um cuzão se não falasse com eles.
Mais à frente, exatamente na mesma rua, é onde fica localizado o container da UPP. Tão perto, vivendo em harmonia. Quando eu passo do lado, a minha vontade é de rir. Lembro logo daquelas cenas no Complexo do Alemão, aquela guerra toda, televisionada, diversão da Zona Sul. A realidade é que aqui, como em muitas outras favelas, o poder sempre foi dual. É um acordo de interesses mútuos para a sobrevivência dos dois lados, um negócio. Ninguém mata, mas também ninguém morre. É um acordo justo, não julgo. O problema é de quem acompanha só pelo Jornal Nacional a realidade do Rio de Janeiro e acredita nesse teatrinho mal ensaiado. Desde o surgimento desse complexo equilíbrio já estava tudo fadado ao fracasso e agora temos a certeza disso. Eu passo de cabeça baixa, não conheço eles e muito menos eles me conhecem. Sou inferior, indigno de um bom dia, mas não tem problema algum, eu não acredito que eu vá ter um dia bom mesmo.
Mais à frente, exatamente na mesma rua, é onde fica localizado o container da UPP. Tão perto, vivendo em harmonia. Quando eu passo do lado, a minha vontade é de rir. Lembro logo daquelas cenas no Complexo do Alemão, aquela guerra toda, televisionada, diversão da Zona Sul. A realidade é que aqui, como em muitas outras favelas, o poder sempre foi dual.
Na esquina tem coisa boa, de longe já dá pra sentir aquele cheirinho de joelho saindo do forno junto com a fritura da coxinha. O sorriso da tia demonstra cansaço, mas é verdadeiro, sincero. Retribuo o carinho, devolvendo o sorriso. O meu olhar foca atento na vitrine pra escolha do salgado ser perfeita. Preciso ser minucioso pra não calhar de pegar o de ontem. De que que é aquele grandão ali, tia? Ela pega, me dá e diz “É hambúrguer de forno, meu filho. Acabou de sair”. Já até sabe meu gosto.
Ao chegar no ponto, vejo rostos conhecidos. Na verdade, ninguém ali realmente é conhecido, mas, ao mesmo tempo, todo mundo se conhece. São as mesmas pessoas de todos os dias que puxam assunto sobre o tempo ou sobre a demora do ônibus e depois voltam a enfiar a cara nos seus smartphones. Nesse dia, o ônibus realmente demorava mais do que o habitual. Diziam que estava tudo parado na Avenida Brasil e olha que esse ainda era o primeiro transporte que eu ia pegar. Passa um cara num carro oferecendo carona. Ele diz que vamos esperar muito ali porque não tem nenhum ônibus no ponto final, que fica a poucos minutos do meu ponto. Começa uma correria pra entrar no carro, mosquei! Quando vi, já tava cheio. No banco da frente uma menina me olha esboçando pena, como se soubesse que eu tava atrasado. Mas quem é que não tá?
Decidi ir andando até a Av. Brasil. Sempre é a pior ideia, mas, mesmo assim, sempre é a que eu acabo por tomar. Um pouco menos de dois quilômetros, uns vinte minutos andando, que consigo fazer em quinze, dependendo do meu desespero. Hoje eu teria que fazer em dez. O cenário da caminhada é como se eu tivesse naquele filme Tempos modernos, do Chaplin, sabe?, só que fora de um cenário fabril, numa escala urbana. Os caminhões e as empresas encurralam os moradores nas calçadas, entre os muros e o carregamento de carga pesada.
Na metade do caminho, a visão que tenho é cinza. O asfalto não existe mais, cavaram tanto que chegaram nos tempos de D. João VI. Eu nem sabia que ali já teve paralelepípedo. A obra do braço da Ponte Rio-Niterói que vai se ligar com a Linha Vermelha é megalomaníaca. Grandes máquinas no meio das ruas erguem vigas escalares sem o menor cuidado com a população ao lado. Ah, mas é claro que a obra vai trazer benefícios, só que não pro morador do Caju. Pra esse não, a gente já tem muitos direitos. E pensar que a pessoa que antes sentava na sua porta pra tomar um café, curtindo a vista, hoje em dia não tem direito nem mais ao céu.
A caminhada rápida é dificultada pelo chão cheio de lama. O bairro é movido a poeira das empresas de concreto e pela usina de asfalto, ainda mais impulsionada por essa obra. Pelo menos a escolha de ter colocado um tênis velho valeu a pena. Cada pisada é dada com atenção. O pior de tudo é que não dá nem pra se escorar nas paredes. Minha mãe morreria se soubesse que andei arrastando minha mão pelo muro do cemitério.
Às vezes, quando eu passo por lá, lembro do meu avô. Morreu ano passado, foi uma tristeza danada. Não sei como minha avó suportou a dor de perder o marido, com quem passou cinquenta anos casada, meses depois de encontrar o filho alcoólatra morto no sofá da sala. Mas se bem que isso é pouco pra alguém que viveu sob uma série de violências simplesmente por ser mulher. Minha avó contava que o pai não deixou ela estudar, nenhuma das cinco irmãs estudou, só os irmãos. Filha mulher tem que cuidar da roça, filho macho tem que estudar um pouco, pelo menos pra não ser enganado por qualquer um. Hoje ela morre de orgulho de ver o neto e as netas na universidade.
Chegando no ponto da Avenida Brasil, vejo o 326 ainda parado. Uma coisa boa pelo menos, dou uma corridinha de leve, sem muitos problemas pra quem já tá atrasado. Tenho sorte de estudar na mesma direção de quem vai para a Ilha do Governador. É uma dádiva ter cinco linhas que passam na altura da passarela três do Caju em direção ao bairro, mas, como nem tudo são flores, só dá pra ir até a estação de BRT do Fundão.
Minha avó contava que o pai não deixou ela estudar, nenhuma das cinco irmãs estudou, só os irmãos. Filha mulher tem que cuidar da roça, filho macho tem que estudar um pouco, pelo menos pra não ser enganado por qualquer um. Hoje ela morre de orgulho de ver o neto e as netas na universidade.
O motorista já tava com a porta fechada, pronto pra sair. Mesmo eu já estando parado na porta, ele arranca com o carro, fingindo não me ver. Bato forte na porta, andando ao lado do ônibus até ele abrir. Percebendo que eu não ia sair dali, não deu outra, teve que abrir. A cara dele de puto não intimidava a minha que já tava três vezes pior. A tensão era tanta que o meu RioCard pareceu entender. Ele, que falha toda vez que eu passo, dessa vez passou de primeira. Sabia que fazer render assunto com o piloto não ia dar bom. Sigo pra sentar, sem bom dia nem pra mim nem pra ele.
Não é uma viagem longa nem demorada, mas quando se tem um engarrafamento… Aí não tem jeito. Parece que tamo indo pra Cabo Frio em dia de Carnaval. O ônibus parecia uma carroça que, pra variar, não tinha ar condicionado. É impressionante como alguns ônibus do Rio já possuem wi-fi e outros são tão quentes que tinham que oferecer leques pros passageiros. E o pior é que não dava nem pra abrir a janela, a chuva tinha voltado a cair. Deixei aquela brechinha aberta, o suficiente pra entrar um arzinho, mas sem o vacilo de me molhar todo com a chuva.
Na altura da FioCruz é que a felicidade começa. Segunda de manhã e a galera saindo do baile da VJ. Pra minha alegria, já sabia que isso ia estressar o piloto. É um tal de passar dois na roleta, uma confusão de gente toda molhada com copão na mão de vodca com energético e um cheirão de álcool setenta saindo da respiração. O motorista, vermelho de raiva, falando à beça que aquilo ia sair do bolso dele, enquanto a galera com uma cara de marola seguia falando que era tudo deles. A barulhada era alta, a senhora se incomodou, gritou, mas eles ignoraram. O povo tava em outra vibe, jamais iam escutar a velhinha. Isso eu já acho vacilo. Uma coisa é o motorista vacilão, mas zoar com a senhorinha já mexeu comigo. Foi chato.
O engarrafamento é o de sempre na subida pra Linha Amarela, como quem vai pra Bonsucesso. Os ruins de roda não entendem que as pistas de subida são só as duas da direita, mas eles são os donos da rua e se espalham pela pista toda. Um caos. Coisa fácil de ser resolvida com bom senso, mas pra isso no DETRAN não tem prova, só precisa passar no teatro de saber dirigir. Já deixei de esperar coisa boa no trânsito da Brasil faz tempo. O negócio é encostar a cabeça na janela e esperar. Torcendo pro motorista ser cuzão também e sair jogando o ônibus em cima dos outros carros pra poder passar daquilo ali.
Na passarela nove, sempre é hora das compras. A briga já rola solta fora do ônibus pra ver quem vai subir. Galera loucona chegando do baile? Os vendedores já sabem que são comprador na certa. Ninguém quer perder a vez. Quem vence a briga entra e anuncia seus produtos. Era um cara conhecido, ainda bem que conseguiu entrar, era ele ou o pessoal que leva a palavra de Deus. No momento, eu tava mais pra uma bala. Compro logo a promoção do M&M. Um é dois, três é cinco, nem na Black Friday tem uma promoção dessas. Por isso eu prefiro o shopping bus, eles só perdem pra Supervia; com a galera do trem ninguém consegue bater os descontos.
A ansiedade foi batendo quando foi chegando o local que eu desço. Sim, eu sei que ali não é ponto, mas a maior parte dos motoristas não se importa de parar. É um sinal demorado, com cruzamento de várias vias, inclusive de BRT. O tempo que ele leva parado dá pra sair e entrar no ônibus várias vezes. Só que é aquilo, vai depender da boa vontade do motorista. Me adianto, levantando, e vou pra porta traseira. Puxo a cordinha pra ele ver que tem gente pra descer, não era só eu, mas ele olhou de lado no retrovisor, me viu e decidiu se fingir de idiota. O sinal abre, ele arranca e eu só solto um valeu.
No BRT do Fundão é onde começa a saga do terceiro transporte do dia. Isso porque ainda não deu nem oito e meia, mas tudo bem, minha aula é só oito horas mesmo. A caminhada é rápida, quase uma corrida com quem vem saindo de dentro da estação. Ganha quem consegue sentar no circular, é um prêmio e tanto, acredite. É um fardo o interno lotado com a playboyzada do CT que não sabe pegar ônibus e ficam espremidos na porta, ao invés de chegar pro meio, que sempre tá mais vazio.
Nessa corrida eu sou safo, já tenho meus atalhos. Passo por cima dos canteiros, atravesso na frente dos carros, quase sou atropelado, mas o objetivo de sentar no ônibus foi concluído com sucesso. Agora é torcer pra não entrar nenhum idoso, só tinha cadeira amarela e eu não ia deixar de sentar não. Mas ainda não consigo fingir que tô dormindo, né. Se eu vejo, eu levanto, independente do banco na verdade. Nem mesmo no comum tenho coragem de fingir que não vi. Meus pais já estão chegando nos 60. Se daqui a uns anos minha mãe entrar no ônibus e ninguém der lugar, pode ter certeza que, se eu tiver junto, alguém vai ouvir à beça.
Depois de estar sentado, aí é só esperar. Nunca vi um ônibus demorar tanto pra chegar num lugar que fica a uma distância tão curta. Se tiver congestionamento, então… Tem que acrescentar trinta minutos no horário total de chegar na faculdade. Pra somar com tudo isso, eu ainda escolhi o curso que tem o prédio mais longe. Ainda por cima é o Circular 1, que, além de passar pelo CT, vai lá pra perto da Ponte do Saber pra deixar a galera de Xistoquímica.
Dentro do interno, as relações são as mesmas do ponto lá perto de casa: todo mundo ali se vê todo santo dia, mesmo ônibus, mesmo horário, mas a relação de impessoalidade vai permanecer até a colação de grau. Ninguém se conhece. Ninguém se fala. Às vezes, dou a sorte de encontrar algum conhecido ou algum colega de curso, mas são raras as vezes que isso acontece. No máximo a interação que rola é perguntar se alguém quer que segure a mochila. Dessa vez, tinha uma menina perto de onde eu tava sentado, perguntei se queria que eu segurasse. Ela agradeceu e me disse que não precisava, já que ia descer na Prefeitura. Dava pra aguentar até lá.
Chegar no Fundão é como tirar um peso das costas, é saber que ali eu posso ser eu mesmo. Não que na minha casa eu me esconda ou algo assim, mas homossexualidade ainda é um tabu a ser quebrado por lá. Eu não faço personagem nenhum, do jeito que eu sou quando tô com meus amigos é o jeito que eu sou em casa. O que meus pais vão achar disso, fica a cargo da consciência deles. Viver no armário é sufocante. Chega uma hora que você só deseja chutar a porta e tacar o foda-se. Sei que ainda não dá pra ser totalmente assim, são muitas questões envolvidas, mas é meu desejo.
Na faculdade, a história é outra. Não julgo meus pais por não terem esse entendimento. Queria eu que eles tivessem tido a oportunidade de viver no meio dessa mistura de saberes e de vivências. A faculdade é cheia de problemas, não nego, mas a liberdade que ela dá em certas situações é incrível. São momentos simples que passam despercebidos dentro dos muros da universidade. É um abraço prolongado, um beijo demorado, o toque das mãos ou até mesmo a perna do garoto que eu amo sobre a minha. Essas coisas são detalhes tão pequenos que só quem é privado disso consegue entender e dar valor.
Dentro de casa, a faculdade nunca foi um assunto presente e é bem difícil se sentir inserido num ambiente em que você nunca foi estimulado a pensar que um dia estaria. Descendo no ponto e indo em direção ao prédio, observo que realmente tudo ali foi pensado pra que eu não me sentisse pertencente. Na reitoria, tudo é gigante e imponente. O prédio exerce uma força enorme sobre nós, faz com que a gente se sinta pequeno. Tudo é muito impessoal e dificilmente você vê uma mistura, é sempre cada um no seu mundinho.
A diferença de classes já é percebida na chegada. São certas as pessoas que chegam pelo ponto e as que estão vindo do estacionamento. Isso sem contar os professores do meu curso. A renda você já deve saber que é bem diferente da minha, mas antes fosse a única diferença. A superioridade deles é reforçada em cada frase, cada orientação de trabalho, mas tudo bem, não é algo a se generalizar. Ainda assim, tem uns que são tão filhos da puta que dá nojo.
A diferença de classes já é percebida na chegada. São certas as pessoas que chegam pelo ponto e as que estão vindo do estacionamento. Isso sem contar os professores do meu curso. A renda você já deve saber que é bem diferente da minha, mas antes fosse a única diferença.
Já com os alunos o caso é um pouco diferente. A interação é obviamente maior, só que essa mistura é observada até a página dois. A gente consegue ver as dificuldades de longe. Dá pra ver na cara o porquê de ter um desesperado para entregar o trabalho, enquanto outro está supertranquilo, com suas horas de sono bem dormidas. É visível desde o primeiro período quem será aquele que vai fazer intercâmbio ou estagiar na empresa da família.
Esse não pertencimento fica mais evidente pelos corredores do prédio. Nosso olhar está acostumado a buscar nossos semelhantes no local. Eu ando prum lado e pro outro e não acho. Mas eles sempre estão lá. Eles tão limpando o banheiro, tão trocando os sacos de lixo das salas ou até mesmo encerando o chão. Esses são os meus semelhantes, mas esse olhar é apagado constantemente.
Esse não pertencimento fica mais evidente pelos corredores do prédio. Nosso olhar está acostumado a buscar nossos semelhantes no local. Eu ando prum lado e pro outro e não acho. Mas eles sempre estão lá.
Vou logo pro banheiro mijar e jogar uma água no rosto pra acordar, como eu sempre faço. Quando eu saio, dou de cara com uma das tias da limpeza. Ia passar direto por mim, mas eu chamo atenção dela com um bom dia. Ela se assusta e retribui o bom dia junto com um sorriso. Pergunto se tá tudo bem e ela diz que tá sim e que se assustou porque não é todo mundo no prédio que enxerga que ela tá ali. Me pergunto como um dia pude não perceber que a pessoa que mais se pareceria com minha mãe estava ali. Levo aquele sorriso no coração e quem sabe agora terei um bom dia.
Texto originalmente publicado em: PIMENTEL, Ary; SOUZA, Edinelia Maria Oliveira (org.). Memoriais da caminhada em direção à universidade pública. Rio de Janeiro: Desalinho, Ganesha Cartonera, 2020. p. 83-93.
- Guilherme Vieira da Silva Aguiar
Graduando do curso de Licenciatura em Letras (Português-Literaturas) na Faculdade de Letras da UFRJ. Nascido e criado em Caxias, publicou um testemunho inspirado em múltiplas vivências no livro Memoriais da caminhada em direção à universidade pública (Desalinho/Ganesha Cartonera, 2020). E-mail: guilhermevieiraguiar@gmail.com.