Mobilização Social

Encosta Viva: popularizando o tema dos deslizamentos de terra

Marcos Barreto de Mendonça, 30/04/2024

Ilustração: Anna Sgarbi

No Brasil e no mundo, nas últimas décadas, tem-se observado a disseminação de desastres associados a deslizamentos de terra, com um aumento de sua quantidade, da magnitude dos impactos e da extensão territorial afetada. 1 2 3 Segundo o Atlas Digital de Desastres no Brasil,1 foram oficialmente registrados 1261 desastres associados a deslizamentos no país entre 1991 a 2022. Grande parte destes desastres se deve a um processo desenfreado e desorganizado de urbanização, principalmente nos países em desenvolvimento como o Brasil, onde a população mais vulnerável socioeconomicamente é pressionada a ocupar áreas menos próprias para habitação, como encostas suscetíveis a deslizamentos.4

Neste contexto, vê-se uma necessidade de mudança de paradigma nas políticas públicas de redução de risco de desastres (RRD), exigindo uma abordagem mais abrangente do problema (sistema físico & sistema social), ações mais centradas nas pessoas e o envolvimento efetivo dos vários setores da sociedade.5

Um requisito transversal que deve ser buscado nesta nova diretriz é a participação social em todas as fases da gestão de riscos. A sociedade, em especial a população diretamente exposta às ameaças dos deslizamentos, precisa se engajar na concepção e execução de políticas, planos, normas e ações diante de tais ameaças. Entretanto, a prática de colaboração e integração dos diversos setores da sociedade em ações de gestão de riscos é um grande desafio, tendo em vista que, normalmente, a participação não é efetiva e, muitas vezes, os mais necessitados não estão contemplados nessa ação.6 De fato, tem-se observado nas últimas décadas, na área de gestão de riscos, uma desconexão entre agentes públicos, acadêmicos e a população em suas ações e saberes.

Registro do deslizamento no Morro da Oficina, em Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2022 (Foto: Marcos Serra Lima/G1)

Diante desse quadro, a educação deve ser vista como um processo necessário para sensibilizar a sociedade para sua participação efetiva na busca de resultados mais eficientes das políticas públicas de RRD. Basicamente, deve-se popularizar o reconhecimento das situações de risco e promover o diálogo entre os diferentes atores envolvidos (população, academia e gestores públicos) sobre o problema e o seu enfrentamento.

Nesse sentido, surgiu o projeto de extensão Encosta Viva, da Escola Politécnica da UFRJ, com o objetivo de conceber, construir e realizar oficinas socioeducativas sobre os desastres associados a deslizamentos de terra, de modo a despertar no indivíduo alguma forma de participação que contribua para uma gestão de riscos mais eficiente e justa.

Os princípios que vêm norteando as atividades realizadas pelo projeto são baseados na literatura científica 7 8 9 10 e nas próprias experiências realizadas, destacando-se: incorporação das oficinas em diferentes estruturas educacionais (formais e não formais); realização de atividades baseadas não somente em exposições teóricas, mas também em observações e experimentos; realização de atividades interativas e participativas com o público; conexão com a realidade da comunidade local, principalmente a exposta às ameaças de deslizamentos; consideração prévia da percepção de risco do público; relação dialógica entre os diferentes participantes das atividades visando a possibilitar a construção de novos saberes; geração de “pensamento crítico em relação à realidade, favorecendo a construção da capacidade pessoal e social e possibilitando a transformação de relações sociais de poder”. 7 As atividades utilizam diferentes dinâmicas e instrumentos, como maquetes, vídeos, jogos, fotos e outros objetos.

Experimentos complementam as exposições teóricas e promovem a participação dos estudantes

O projeto teve início em 2010, quando foram realizadas uma série de oficinas educativas sobre o tema em uma comunidade em Niterói que havia sido severamente afetada por deslizamentos naquele ano. De lá para cá o projeto tem realizado oficinas sobre o tema em diversas escolas públicas e privadas, museus de ciências e comunidades, envolvendo públicos de diferentes faixas etárias e de diferentes setores (alunos, população em geral, líderes comunitários, gestores públicos, ONGs, voluntários de Defesa Civil, entre outros).

De uma forma geral, as oficinas abordam os seguintes tópicos: conceitos de deslizamentos e de desastres; condicionantes naturais e antrópicos dos deslizamentos; construção social dos riscos; possíveis impactos na comunidade; ações de RRD; sistema de alarme para a evacuação emergencial; formas como os moradores podem contribuir para a redução dos riscos.

Equipe do projeto durante a realização de oficinas na Casa da Ciência da UFRJ, em 2023

Destaca-se a importância para o projeto do museu Espaço Ciência Viva (ECV), instituição que tem por objetivo a divulgação científica, localizada no bairro da Tijuca, município do Rio de Janeiro. A partir de 2015, o Encosta Viva passou a ter como parceiro principal e base de atuação o ECV, aumentando a capilaridade de suas atividades.

Os alunos extensionistas participam desde o planejamento das oficinas até sua execução e avaliação, passando pela construção dos instrumentos usados nas atividades. Atualmente, o projeto conta com alunos dos cursos de engenharia, geologia, geografia, arquitetura e comunicação. Percebe-se que os extensionistas e os professores envolvidos saem das atividades educativas com novos saberes, principalmente quando interagem com moradores de áreas de risco.

Mais informações sobre as ações realizadas pelo projeto e artigos publicados podem ser encontradas no site do projeto. 11

É importante destacar que o projeto tem contado ao longo dos anos com os apoios da UFRJ, CNPq e Faperj.

Notas

  1. BRASIL. 2023.Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Secretaria de Proteção e Defesa Civil. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil. Atlas Digital de Desastres no Brasil. Brasília: MIDR, 2023. [voltar]
  2. Hernández-Moreno, G., Alcántara-Ayala, I. 2017. Landslide risk perception in Mexico: a research gate into public awareness and knowledge. Landslides 14, 351–371. [voltar]
  3. CRED-UNISDR. 2019. Economic Losses, Poverty & Disasters – 1998-2017. Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) & United Nations International Strategy for Disaster Risk Reduction. [voltar]
  4. Da-Silva-Rosa, T.; Mendonça, M.B.; Monteiro, T.G.; Souza, R.M. & Lucena, R. 2015. Environmental Education as a Strategy for Reduction of Socio-Environmental Risks. Revista Ambiente e Sociedade, 18 (3): 211-230. [voltar]
  5. UNISDR. 2015. United Nations & International Strategy for Disaster Reduction (Sendai Framework for Disaster Risk Reduction 2015-2030. [voltar]
  6. Eyerkaufer, M. L.; Sedlacek. A.C. 2018. Governança em riscos e desastres a partir da gestão e modelagem de processos colaborativos de trabalho. R. Gest. Sust. Ambient., Florianópolis,. v. 7, n. esp p. 166-185. [voltar]
  7. Freire, P. e Shor, I. Medo e ousadia: O cotidiano do professor. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. [voltar] [voltar]
  8. Lidstone, J. 1996. Disaster education: where we are and where we should be. In: Lidstone J (ed) International perspectives on teaching about hazards and disasters. International Geographical Union, Channel View Publications, Adelaide, pp 7–17 [voltar]
  9. Shaw, R.; Takeuchi, Y.; Shiwaku, K.; Fernandez, G.; Gwee, Q.R.; Yang, B. 2009. 1-2-3 of Disaster Education. European Union/United Nations International Strategy for Disaster Reduction (UNISDR)/Kyoto University [voltar]
  10. Selby, D.; Kagawa, F. 2012. Redução do Risco de Desastres no Currículo Escolar: Estudos de Casos de Trinta Países. Fundação das Nações Unidas para a Infância UNICEF. [voltar]
  11. Projeto Encosta Viva. 2024. Página inicial. Disponível em: <http://encostaviva.poli.ufrj.br/>. Acesso em: 30 de janeiro de 2024 [voltar]
Marcos Barreto de Mendonça

Mestre e doutor em Engenharia Civil – Área de Geotecnia, pela COPPE/UFRJ. Professor Associado do Departamento de Construção Civil, da Escola Politécnica, da UFRJ. Atua na graduação da Engenharia Civil e nos programas de pós-graduação de Eng. Civil (PEC-COPPE), Eng. Ambiental (PEA-Poli) e Eng. Urbana (PEU-Poli). É coordenador do Projeto Encosta Viva. Contato: mbm@poli.ufrj.br.

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