Cidadania

Comunicação pública e comunicação comunitária na formação dos estudantes da UFRJ

Vanessa Almeida, 30/04/2024

Ilustração: Anna Sgarbi

A escolha da forma de narrar faz parte do dia a dia dos jornalistas. Na redação de cada linha e de cada texto está a escolha sobre como contar uma estória. O enfoque, as palavras, as fotos que serão utilizadas, tudo isso vai determinar como a narrativa será percebida pelo leitor. Frequentemente vemos um mesmo fato sendo contado a partir de diferentes perspectivas. A mesma pessoa que é descrita como um traficante em um veículo, pode ser o estudante universitário em outro, tudo depende do interesse de cada veículo, ou da linha editorial. O foco é diferente, por exemplo, nos veículos da chamada mídia hegemônica e das que não fazem parte da grande mídia. 

A mídia hegemônica ou grande mídia é, segundo Muniz Sodré (2017) 1, aquela alinhada aos interesses hegemônicos e ao neoliberalismo. Já a mídia contra-hegemônica foca suas narrativas em outras perspectivas e possibilidades. Não apenas as pautas são trabalhadas sob enfoques distintos das mídias hegemônicas, mas o modo de produção e a forma de veiculação também são diferentes. Elas têm tido um maior espaço graças aos meios digitais e à internet. Segundo Góes (2007) 2, a mídia contra-hegemônica está alinhada às questões sociais. Seus temas centrais podem ser questões trabalhistas, de gênero, raça, ou mesmo todas elas de forma relacionada. 

É o caso do veículo Maré de Notícias, que realiza a chamada Comunicação Comunitária. Nesse tipo de comunicação, o conteúdo é voltado para uma coletividade específica 3, é sobre o cotidiano da comunidade em que o veículo está inserido. Dessa forma, é imprescindível que toda a forma de produção e de construção da narrativa seja pensada para atender ao seu público principal: a comunidade da qual o veículo faz parte, com as suas especificidades e a partir da compreensão e respeito do seu território. Os meios  de comunicação comunitários têm potencial para serem construtores de cidadania, na medida em que oferecem conteúdos informacionais e culturais para a população 4.

Apesar de a comunicação e o jornalismo serem áreas tão amplas e da necessidade de reflexão sobre a comunicação comunitária, a formação em Jornalismo na maioria das faculdades não oferece disciplinas obrigatórias que discutam a questão. Na Escola de Comunicação da UFRJ (Eco UFRJ) o que mais se aproxima dessa discussão é a oferta de uma disciplina eletiva, criada em 2023.

Entendendo essa lacuna e como forma de fomentar a discussão e a prática jornalística dos estudantes da UFRJ, o projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ: Jornalismo, Ciências e Cidadania foi criado no primeiro semestre de 2021. Tem como principal parceiro o veículo de comunicação comunitária Maré de Notícias, um jornal realizado no conjunto de favelas da Maré (Rio de Janeiro/ RJ). O veículo existe desde 2009 com tiragem impressa de 50 mil exemplares e está há quatro anos também na versão on-line.

O projeto tem como proposta central fomentar um ambiente laboratorial de comunicação e jornalismo com vistas ao diálogo com a sociedade, objetivo básico da extensão, e propõe um diálogo entre a comunicação pública e a comunicação comunitária, buscando aproximar as formas de fazer comunicação e jornalismo a partir dos dois pontos de vista. Dessa forma, investigamos as possibilidades e desafios de um fazer jornalístico que atenda aos interesses do bairro (Maré) e, ao mesmo tempo, promova as ciências e a vida universitária. Buscamos experimentar formatos, linguagens e temáticas junto à mídia comunitária; compartilhar produtos e espaços com ela; atuar com base no princípio do interesse público e valorizar a diversidade de saberes, culturas e visões de mundo nas produções jornalísticas, inclusive auxiliando na formação dos estudantes que têm a possibilidade de se atentar para as questões sociais desenvolvidas durante o projeto, o que contribui para a formação crítica e cidadã dos futuros jornalistas. 

Ao longo dos últimos três anos, recebemos e trocamos experiências com 35 estudantes de diferentes cursos da UFRJ — tivemos alunos de Biomedicina, Arquitetura, Letras, História e Comunicação Social. Os extensionistas participam das redações de ambos os veículos, dialogando sobre as diferentes realidades e trocando experiências, acompanhando a produção de notícias e reportagens, realizando pesquisas e, com acompanhamento, escrevendo e assinando matérias conjuntamente com profissionais de cada redação. 

Tivemos a oportunidade de trabalhar a divulgação científica de diferentes  formas, seguindo a lógica de cada veículo. No Conexão UFRJ e no Maré de Notícias, respeitamos inclusive a necessidade de falar sobre ciência de maneiras diversas em cada um deles. 

A metodologia do projeto conta com oficinas de formação; reuniões de pauta; produção de conteúdo jornalístico em formatos diversos; partilha de produtos entre os veículos Maré de Notícias (versão on-line e impressa) e Conexão UFRJ (versão on-line e mídia sonora) e articulação com o ensino e a pesquisa e avaliações semestrais, com produção de relatos de experiência. O projeto é guiado pelos princípios de horizontalidade, escuta, participação e colaboração. 

Notas

  1. SODRÉ, Muniz. A ciência do comum: notas para o método comunicacional. 1. reimpr. Petrópolis: Vozes, 2017 [voltar]
  2. GÓES, Laércio Torres de. Contra-hegemonia e internet: Gramsci e a mídia alternativa dos movimentos sociais na web. CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO DA REGIÃO NORDESTE, 9., 2007, Salvador. Anais […]. São Paulo: Intercom, 2007. p. 1-15. Disponível em:http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste 2007/resumos/r0364-1.pdf.  [voltar]
  3. PAIVA, Raquel. Revista FAMECOS. Porto Alegre, n 30. 2006. [voltar]
  4. M.Krohüng Peruzzo,Cicilia. Comunicação  Comunitária  e Educação para  a  Cidadania. Comun.  In/., v. 2,  n. 2,p.   205-228, 1999. Disponível em: https://revistas.ufg.br/ci/article/view/22855/13596   [voltar]
Vanessa Almeida

Jornalista da UFRJ, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, mestra em Relações Étnico-Raciais (PPRER) pelo CEFET/RJ e graduada em Comunicação Social — Jornalismo pela PUC-Rio. Na UFRJ é também coordenadora do projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ: Jornalismo, Ciências e Cidadania, que oferece experiências ligadas à comunicação pública e à comunicação comunitária.

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