Economia circular: um termo que ganhou notoriedade em eventos e feiras da indústria e congressos acadêmicos ao longo da última década. Na sociedade civil, ainda não está tão difundido, mas mesmo pessoas leigas entendem geralmente de forma intuitiva sobre o que está se falando — um modelo econômico que se baseia em processos circulares, regenerativos.
O conceito da economia circular começa a crescer a partir do ano de 2010, quando termo foi lançado e promovido pela Fundação Ellen Macarthur, um ‘think tank’ que teve, desde o início, um papel fundamental na popularização do conceito.1
A economia circular promove a ideia de um sistema econômico regenerativo, em que resíduos de um processo possam servir de entrada para outros, eliminando efetivamente a geração deles e a necessidade de exploração de matéria prima natural.2
Quando estudamos as escolas de pensamento da economia circular, encontramos ‘Blue Economy’, ‘Performance Economy’ e ‘Biomimicry’ como precursores.3 Os conceitos anteriormente formulados, apesar de descreverem sistemas parecidos, nunca conseguiram encontrar um lugar relevante em discussões fora da academia. O fato de a economia circular ter sido abraçada pela política, a indústria e o terceiro setor, áreas que tipicamente seguem interesses distintos, certamente se deve à fácil compreensão do termo.
Essa facilidade de compreensão é crucial quando se busca a disseminação de conceitos, mas ela também pode ser traiçoeira. A impressão de entendimento nos seduz a tratar o assunto de forma superficial e negligenciar questionamentos importantes sobre a viabilidade do conceito.
A indústria, sob pressão para ação de mitigar os problemas ambientais visíveis, encontrou na economia circular uma solução conveniente, pois o conceito, à primeira vista, promete a possibilidade da continuidade das atividades industriais, sem questionar diretamente os atuais níveis de consumo. Entretanto, em ambientes acadêmicos, há uma discussão acirrada sobre a factibilidade e, portanto, o sentido da economia circular.4
Quando algum material se torna lixo significa que ele não tem mais valor econômico, ou seja, que não há nenhuma empresa que consiga reinserir esse material num processo produtivo de forma economicamente viável. Portanto, transformar um produto “linear” num produto “circular” significa, muitas vezes, a necessidade de um redesign radical, justamente para que não seja gerado um resíduo ou uma emissão que não possa ser reintegrada em processos produtivos ou ciclos biológicos.
Ao pensar em alguns setores específicos, percebemos rapidamente que “fechar” todos os ciclos produtivos é uma tarefa extremamente complexa. Um setor é especialmente interessante para a discussão da economia circular, tanto pelo seu potencial, quanto pela sua problemática: o setor de plásticos. Plásticos têm a fama de serem recicláveis. O consumidor conhece geralmente uma série de símbolos impressos em produtos plásticos que indicam sua reciclabilidade. Por outro lado, estatísticas oficiais afirmam que menos de 10% dos plásticos descartados é realmente reciclado.5 Encontramos aqui uma contradição de difícil entendimento àqueles que pouco sabem sobre engenharia de materiais e gestão de resíduos. Uma vez que o material é indicado como reciclável, por que não é reciclado?
A onipresença dos plásticos em nossas vidas acaba fornecendo um ótimo material para discutir a economia circular com a comunidade, mostrando tanto o potencial quanto obstáculos e limitações da transição para a economia circular. O projeto de extensão Circula UFRJ busca promover, desse modo, a discussão sobre a economia circular com foco nesses materiais. Quais são os passos essenciais da transição para a economia circular e qual o papel dos diferentes agentes da comunidade civil, da academia, da indústria e da política — essas são as questões principais do projeto.
Considerando a ultrapassagem de vários limites planetários6, é possível a transição para a economia circular nos atuais níveis de consumo? Entramos aqui diretamente na discussão sobre a necessidade do decrescimento das nossas economias. Na academia, essa discussão ainda não encontrou respostas contundentes sobre se, e como, o paradigma do crescimento poderia ser abolido sem a geração de graves crises econômicas.7 De qualquer forma, qualquer discussão séria sobre economia circular precisa incluir o questionamento dos atuais níveis e formas de consumo e, portanto, do estilo de vida das sociedades ocidentais mais desenvolvidas.
O Circula UFRJ, buscando implementar as diretrizes da extensão universitária, vincula eixos de pesquisa e ensino à interação direta com a comunidade, por exemplo, por meio dos mutirões de limpeza junto aos quais se levantam dados sobre a poluição plástica. Assim, no último Dia Mundial da Limpeza, o projeto mobilizou mais de 60 alunos da UFRJ para uma ação de limpeza de praia, que aconteceu em parceria com o Projeto Praia Circular e a ONG RouteBrasil no Posto 3, em Copacabana.
Nessas ações, os alunos recebem capacitação para identificar diferentes tipos de materiais e interagem com a população presente na praia durante o momento da coleta de lixo. Em seguida, os alunos fazem análises detalhadas dos resíduos encontrados, procurando entender melhor sua composição e origem. Ações parecidas são realizadas em parcerias com escolas de ensino médio e, não menos importante, no próprio campus.
O Circula, como é chamado pelos seus integrantes, nasceu em 2018 como Circula CT e se transformou ao longo dos anos, felizmente, em Circula UFRJ, integrando, hoje, alunos das mais diversas áreas de conhecimento em equipes multidisciplinares. Os desafios dessa geração são grandes. No nosso projeto, estamos nos mobilizando para enfrentá-los com contribuições significativas.
Notas
- Ekins, P., Domenech, T., Drummond, P., Bleischwitz, R., Hughes, N. and Lotti, L. (2019), “The Circular Economy: What, Why, How and Where”, Background paper for an OECD/EC Workshop on 5 July 2019 within the workshop series “Managing environmental and energy transitions for regions and cities”, Paris. [voltar]
- Ellen MacArthur Foundation, Towards the circular economy Vol. 1: an economic and business rationale for an accelerated transition (2013). [voltar]
- Ellen MacArthur Foundation. Schools of thought that inspired the circular economy. Disponível em https://ellenmacarthurfoundation.org/schools-of-thought-that-inspired-the-circular-economy. Acesso: 20/09/2023. [voltar]
- Julian Kirchherr, Nan-Hua Nadja Yang, Frederik Schulze-Spüntrup, et al., Conceptualizing the Circular Economy (Revisited): An Analysis of 221 Definitions, Resources, Conservation and Recycling, Volume 194, 2023,https://doi.org/10.1016/j.resconrec.2023.107001. [voltar]
- OECD POLICY HIGHLIGHTS Global Plastics Outlook: Economic Drivers, Environmental Impacts and Policy Options. 2023. [voltar]
- https://www.stockholmresilience.org/research/planetary-boundaries.html [voltar]
- Florian Hofmann,Circular Economy and economic (de-)growth? Let’s shift the baselines!, Resources, Conservation and Recycling, Volume 187, 2022, https://doi.org/10.1016/j.resconrec.2022.106604. [voltar]
- Bettina Susanne Hoffmann
Nascida em 1980, em Munique, Alemanha, se formou em 2005 em Engenharia de Processos Industriais pela Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo. Atraída pela sua riqueza natural e cultural, se mudou para o Rio de Janeiro em 2008, para iniciar sua pós-graduação no Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ. Desde 2015 atua como professora para inovação e gestão tecnológica na Escola de Química. Contato: circulact@eq.ufrj.br