Divulgação científica

Casa da Ciência da UFRJ: democratização e acesso ao conhecimento científico

Murilo Ferreira Quintão, Luciane Correia Simões, Lívia Mascarenhas de Paula Cunha e Ismar de Souza Carvalho, 28/06/2023

Foto: Maria Clara Vilas Boas (FCC/UFRJ)

A Casa da Ciência da UFRJ é um centro cultural de divulgação científica que busca, por meio da experimentação, despertar a curiosidade acerca das relações entre ciência, arte e cultura. Utiliza diferentes linguagens, de forma lúdica e interativa, de modo a levar o público a refletir sobre os conceitos da ciência, proporcionando a popularização desses conceitos. A intenção é transformar o desinteresse pela ciência, proveniente da abordagem de conteúdo — que valoriza a repetição em detrimento da curiosidade — em algo atrativo e prazeroso.

A Casa da Ciência oferece, em média, duas novas exposições por ano, com cerca de 5.000 visitantes mensais. Desde 1995 já foram realizadas mais de 60 exposições sobre diferentes temáticas. Os temas e os conteúdos são estudados para que a abordagem seja feita com o intuito de envolver e emocionar o público, além de estimular uma atitude crítica e questionadora diante do conhecimento científico proposto. Além das exposições e suas atividades complementares, a programação conta, ainda, com produção editorial, ciclo de debates, cineclube, entre outros.

Para fazer a interface da exposição com o público, realizamos o Programa de Mediadores, voltado para estudantes de graduação da UFRJ de diferentes áreas de conhecimento. Os mediadores formam equipes multidisciplinares que, a cada exposição, são orientados por coordenadores acadêmicos, docentes e técnicos especialistas nos temas das exposições, nas atividades complementares e nos projetos extramuros. O programa de formação desses alunos fortalece a relação entre ensino, pesquisa e extensão, capaz de proporcionar uma formação acadêmica cidadã, crítica e mais humana. Até hoje a Casa da Ciência proporcionou a formação de cerca de 800 mediadores, estudantes de diferentes áreas de conhecimento da UFRJ.

As origens

A edificação, localizada na Rua Lauro Müller, 03, no campus da UFRJ da Praia Vermelha, abriga o primeiro Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da UFRJ. Esse espaço sofreu transformações sociais ao longo do tempo, desempenhando diferentes funções. Foi construído para ser “pavilhão”, virou um “casarão” e, hoje, é uma “casa”.

Entre 1925-1926, o Pavilhão Alaor Prata (PAP) foi construído com o objetivo de ser um pavilhão de assistência e isolamento das pacientes tuberculosas do Hospital Nacional dos Alienados (HNA), antigo Hospício de Pedro II (Figura 1). As referências sobre a construção do pavilhão deixam ver que esses espaços (Figura 2) foram construídos com o objetivo de isolar os pacientes, por isso tais edificações possuíam varandas abertas e voltadas para luz, onde “o paciente era submetido ao tratamento da aeroterapia e da helioterapia” (MORAES, 2020). O manicômio da Praia Vermelha foi desativado em 1944. Destituído da função de assistência hospitalar e isolamento de mulheres, diagnosticadas como loucas e tuberculosas, o pavilhão encerrou essa primeira etapa.

As negociações e reformas de adaptação do antigo hospício e alguns de seus anexos para se tornar Universidade do Brasil e, posteriormente, Universidade Federal do Rio de Janeiro, levaram alguns anos. O PAP e seu entorno sediaram eventos e atividades de caráter educativo, tais como: o primeiro curso de dança moderna da época, ministrado pela professora Érica Sauer, e as Olimpíadas dos Servidores Públicos, em 1956. Atividades estas relacionadas a Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD), mais tarde Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da UFRJ (Figura 3). Nas décadas seguintes, o Pavilhão continuou acolhendo diferentes atividades, principalmente as oficinas de colônia de férias para crianças da comunidade universitária e dos bairros vizinhos, e festas estudantis.

Figura 1 Edificação da Casa da Ciência, em fotografia de 1926 de Augusto Malta. Coleção Augusto Malta, Museu da Imagem e do Som, 1926.
Figura 2 Pavilhão Alaor Prata (1925-1926) construído com o objetivo de ser um pavilhão de assistência e isolamento das pacientes tuberculosas do Hospital Nacional dos Alienados, antigo Hospício de Pedro II. Atualmente, salão principal de exposição da Casa da Ciência. Coleção Augusto Malta, Museu da Imagem e do Som, 1926.
Figura 3 Entorno do Pavilhão Alaor Prata (atual Casa da Ciência) onde foram realizados eventos e atividades de caráter educativo, tais como: o primeiro curso de dança moderna da época, ministrado pela professora Erica Sauer. Fotografia: Centro de Memória Inezil Penna Marinho, da EEFD, 1956.

Diante de novas conjunturas trazidas pela década de 1990 para as universidades brasileiras, deu-se um novo sentido para esse espaço, institucionalizando-o como Casa da Ciência — Centro Cultural de Ciência e Tecnologia. Assim, em setembro de 1994, o Programa de Pós-Graduação em Engenharias do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE) submeteu a “Proposta de criação da Casa da Ciência — Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da UFRJ”, com o propósito de criar um espaço de divulgação científica no campus da Praia Vermelha (Figura 4).

Figura 4 Instalações atuais da Casa da Ciência, Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Reformada em 1995, a casa (edificação) inspirou a identidade visual da instituição (Figura 5) e, acima de tudo, estabeleceu sua relação com o público visitante. A ideia central é a apropriação do conhecimento científico por meio da associação da ciência com o cotidiano das pessoas; criou-se, assim, um lugar para que o visitante se sentisse “em casa”.

Figura 5 Logotipo da Casa da Ciência, centro cultural que realiza a popularização e difusão da ciência no âmbito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ao se sentir em casa, o visitante se apropria da ciência, o que a torna acessível para que o cidadão possa transformar sua vida e seu entorno. Esta é uma questão objetivada pelos grupos de popularização da ciência, possibilitando assim a democratização do conhecimento científico e envolvendo o conhecimento para o pensar cotidiano.

Democratização e acesso ao conhecimento científico

A Casa da Ciência compartilha da ideia de que o conhecimento científico não deve estar desvinculado da realidade local em que o museu está inserido, promovendo a participação da comunidade. Assim, pode-se estabelecer um sentimento de pertencimento e compromisso em transformar o próprio ambiente. Desta forma, a Casa promove a discussão sobre os avanços da ciência, assim como suas controvérsias, sem perder de vista as realidades locais, estimulando atividades que vislumbrem a participação efetiva de seus visitantes, buscando desenvolver mecanismos de escuta das necessidades da comunidade local.

A Casa da Ciência tende a exibir o fazer científico associado às práticas cotidianas, e isto se torna possível na medida em que a abordagem na construção de cada exposição é vista como processo, sujeita a sucessos e insucessos. Quando há a proposição de inovação nos aparatos museográficos, na imersão cenográfica, constata-se que eles podem ou não funcionar.

A Casa é uma instituição em que há espaço para as tentativas, ensaios e experimentações, o que a caracteriza como um lugar menos engessado e cristalizado, onde a criatividade e o questionamento são estimulados.

Desse modo, na busca por uma participação cidadã de seus visitantes, as exposições devem proporcionar momentos de discussão a respeito dos resultados e do uso da ciência e da tecnologia, e, principalmente, devem proporcionar espaços para as formulações de políticas públicas, discutindo a ética que envolve o impacto da ciência na sociedade e no cotidiano da vida das pessoas.

A mediação na exposição Futuros da Guanabara: Inovação e Democracia Climática

De 22 de março a 14 de maio de 2023, a Casa da Ciência recebeu a exposição “Futuros da Baía de Guanabara: Inovação e Democracia Climática”, realizada pelo Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, com curadoria de Leonardo Menezes — que atuou muitos anos como diretor de Conhecimento e Criação do Museu do Amanhã. Com debates, atividades interativas e imersivas, a exposição teve o objetivo de trazer discussões acerca das mudanças climáticas e seus impactos na Baía de Guanabara, além de mostrar a importância da pesquisa desenvolvida nas universidades, especialmente a UFRJ, para projetar futuros e buscar soluções que possam auxiliar no processo de alteração do cenário climático no Rio de Janeiro, no Brasil e no mundo.

A exposição, que recebeu cerca de 4.000 visitantes, contou com três ambientes: a sala das perguntas, a sala cenários futuros — esta totalmente imersiva —, e a sala das escolhas, além de atividades educativas desenvolvidas para diversos tipos de público. Assim como em outras exposições e atividades da Casa, o público desta exposição também se mostrou bastante variado e advindo de diversas regiões do Rio de Janeiro.

Destacamos aqui o fato de que mais da metade do público foi composta de visitantes provenientes de agendamento, o que demonstrou o grande interesse que a temática despertou nas escolas e grupos. Foram recebidos 89 grupos, totalizando 2.295 visitantes agendados que puderam participar da exposição e das atividades educativas, todas sempre voltadas para ampliar ainda mais as discussões trazidas pela exposição.

Para que essas conversas, tão caras à proposta da Casa, fossem promovidas, contamos com uma equipe de mediadores e mediadoras bolsistas e extensionistas, que atuaram como um elo entre a exposição e o público visitante, promovendo diálogos e instigando reflexões acerca dos temas da exposição. Com formação bastante diversa, a equipe contou com estudantes dos cursos de graduação de Relações Internacionais, Psicologia, Biologia, História da Arte, Fonoaudiologia, História, entre outros.

A multiplicidade de olhares permitida por essa heterogeneidade de formações foi muito importante na construção da narrativa da exposição para com os variados os públicos, desde a educação infantil até o ensino superior, passando pela Educação de Jovens e Adultos, pessoas com deficiência, famílias, crianças, jovens, adultos, idosos, usuários do sistema de saúde mental do entorno da Casa, entre outros (Figura 6).

Figura 6 Mediação para um grupo na sala das escolas, durante a exposição Futuros da Baía de Guanabara: Inovação e Democracia Climática. Fonte: Arquivo da Casa da Ciência.

A participação de tais estudantes é fundamental para que a Casa da Ciência possa cumprir seu papel de fomentador de diálogos entre a sociedade e a ciência, pois partimos do pressuposto de que não há nada mais interativo que outro ser humano, disposto a dialogar, a trazer propostas e construir junto uma nova reflexão acerca de cada assunto abordado.

Considerações finais

A partir da fundação da Casa da Ciência (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 1995, construiu-se ao longo de 28 anos uma nova identidade para as ações de popularização e difusão das ciências no Brasil. A elaboração de projetos expositivos, publicações e eventos evidencia as múltiplas possibilidades de popularização e difusão científica, propagando temas relevantes da ciência e de interesse social e econômico. As perspectivas que se abrem a partir dos trabalhos já desenvolvidos pela Casa da Ciência servem de base conceitual para outras instituições de ensino e pesquisa de nosso país, o que é certamente seu maior legado, cumprindo uma função de fomentadora da interlocução entre a universidade, a ciência e a sociedade, ressaltando, através da popularização da ciência, a necessidade da promoção desses canais horizontais de diálogo.

MORAES, Monica Cristina de. No canto do isolamento: loucura e tuberculose no Hospício Nacional de Alienados (1890-1930). 2020. 353f. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020.

Murilo Ferreira Quintão

Graduado em Defesa e Gestão Estratégica Internacional, mestrando em Museologia e Patrimônio da Unirio/MAST. Membro do grupo de pesquisa Casa da Ciência: Popularização e Divulgação da Ciência e Tecnologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e atual diretor da Divisão de Administração da Casa da Ciência.

Luciane Correia Simões

Doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia. Atualmente é produtora cultural e diretora da Divisão de Programas da Casa da Ciência – Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da UFRJ. Atua na área de divulgação científica com ênfase em concepção, coordenação e gestão de projetos.

Lívia Mascarenhas de Paula Cunha

Graduada em Produção Cultural pelo IFRJ e mestre e doutora em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/FIOCRUZ), é produtora cultural da Casa da Ciência da UFRJ. Atua principalmente nas áreas de produção e gestão de eventos científicos e divulgação e popularização da ciência. Atualmente coordena as ações educativas, do grupo de pesquisa e das ações de extensão na Casa da Ciência.

Ismar de Souza Carvalho

Geólogo pela Universidade de Coimbra, mestre e doutor em Ciências (Geologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretor da Casa da Ciência. Pesquisador 1A do CNPq e Cientista do Nosso Estado (FAPERJ).

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