O livro “Concepções de Natureza: Debates Contemporâneos” faz aos leitores um convite instigante: como as diferentes compreensões sobre o termo natureza impactam e embasam pressupostos em relação às políticas de preservação ambiental? Nada mais atual e pertinente se considerarmos o cenário de crise climática e eventos climáticos extremos que atingem diversas regiões do planeta.

Organizado pelas biólogas Christine Ruta (Instituto de Biologia/UFRJ e Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ) e Mariana Contins (Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ), o livro é o segundo da série “Concepções de Natureza”, cuja primeira edição também foi lançada neste ano. Na segunda obra, buscou-se “entender as concepções de natureza – sua variedade e evolução em diferentes culturas e épocas – e o modo como conformam os pressupostos presentes nas decisões políticas” (2023, p. 7).

No livro são reunidos três artigos que dialogam, respectivamente, com os campos das ciências naturais, da poesia e da física. Se o primeiro livro tratou de como o conceito de natureza foi desenvolvido por autores clássicos em diferentes tempos históricos, a segunda obra se detém sobre os debates atuais acerca do conceito de natureza, que serve de fio condutor para toda a discussão. 

O primeiro artigo do livro – “Natureza: por que a palavra importa para a transição para a sustentabilidade?” – é escrito pelos pesquisadores Fabio Rubio Scarano, Anna Carolina Fornero Aguiar, Ebba Brink, Beatriz Lima Rangel Carneiro e Vitória Longuinho Holz. Os autores discutem, a partir da obra do antropólogo francês Bruno Latour, como a natureza é percebida pela visão moderna como a alteridade dos seres humanos. De acordo com essa visão, hegemônica até os dias atuais, a natureza seria “o outro” do homem. Ao longo do artigo, os autores mobilizam amplo referencial teórico e discutem as implicações políticas e filosóficas da polissemia do termo “natureza”, propondo ainda revisões conceituais, inclusive a respeito do termo “sustentabilidade”.

Com o segundo artigo do livro, “Na desmedida da natureza (três passos para um eclipse antigo em Arquíloco)”, escrito pelo poeta Alberto Pucheu, que também é professor de Teoria Literária da Faculdade de Letras da UFRJ, somos transportados aos domínios da filosofia grega e “entendemos a natureza enquanto a espantosa potência de emergência do impossível, do incrível ou do inesperável impositivos” (2023, p. 61). Pucheu mostra como é justamente a natureza que, com sua potência de gerar espanto e assombro, leva a poesia e a filosofia a formularem questões existenciais como “Quem é o homem?” ou ainda “Qual o significado da vida?”.

O terceiro e último artigo do livro, escrito pelo físico João Torres de Mello Neto,  pesquisador do Instituto de Física da UFRJ, se detém sobre a maneira pela qual a física concebe a natureza ou, nas palavras dele, sobre “a noção de ‘natureza’ que permeia a abordagem da física e disciplinas correlatas: astronomia, astrofísica e cosmologia” (2023, p. 71). 

Em “Concepções de natureza na física do universo teleológico ao universo mecânico”, o autor expõe como elementos naturais como espaço, tempo, matéria e movimento são aspectos centrais para a física, tratando ainda de diferentes percepções a respeito da natureza, da Idade Média até a física de Isaac Newton. 

Reunindo debates de campos variados do conhecimento, o livro “Concepções de Natureza: Debates Contemporâneos” atesta outra de suas importantes contribuições: sua proposta de divulgação científica interdisciplinar. De forma coerente com o que foi feito no primeiro livro da série, as organizadoras propõem que pensemos questões contemporâneas a partir de diferentes perspectivas do saber científico, aprofundando o diálogo entre distintas áreas do conhecimento – algo nem sempre comum no meio acadêmico – e que pode ser muito profícuo no que tange ao próprio desenvolvimento do conhecimento. Nesse sentido, a obra é inovadora e absolutamente necessária.

A proposta do livro também é um convite à ação: “O debate que propomos tem como alvo principal suscitar junto à população a percepção de que nossa vida social e cultural não existe senão enquanto parte integrante da natureza e que, portanto, a própria sobrevivência da espécie está em jogo diante dos problemas que se avolumam nas relações entre as sociedades modernas e a chamada natureza” (RUTA; CONTINS, 2023, p. 9). 

Com linguagem clara e acessível, o livro pode interessar a pesquisadores de todas as áreas cujos trabalhos dialoguem com as questões ambientais, bem como ao público mais amplo – mesmo que fora do contexto acadêmico – que desejam compreender de forma mais aprofundada como as diferentes concepções sobre a natureza impactam as atuais políticas de meio ambiente. Nesse sentido, a obra atinge seu objetivo de “construir pontes entre os universos acadêmicos e não acadêmicos” (2023, p. 7).

Recém-lançado pela Editora UFRJ, o livro é uma realização da Superintendência de Divulgação Científica (SuperCiência) do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, que tem como uma de suas principais missões tornar o conhecimento científico acessível à população, por meio do incentivo à interlocução entre academia e sociedade. 

“Concepções de Natureza: Debates Contemporâneos” surgiu a partir de dois seminários realizados pela Superintendência de Divulgação Científica (SuperCiência) do Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) nos meses de setembro e dezembro de 2022. Ambos os seminários ainda podem ser assistidos no canal de YouTube da instituição.