Histórico do Scientificarte
Imagine mergulhar no mundo dos animais marinhos enquanto pinta uma aquarela com água da Baía de Guanabara. Ou explorar a riqueza da fauna e flora locais através da fotografia, inspirada pelas vibrantes pinturas de Tarsila do Amaral. E que tal desvendar os segredos da matemática jogando xadrez ao som de uma paródia de uma música da Anitta? Essas são apenas algumas das experiências proporcionadas pelo projeto Scientificarte. De forma inovadora e envolvente, o Scientificarte entrelaça três elementos essenciais à formação cidadã: ensino, ciência e arte, criando um ambiente onde aprender é uma experiência rica e multifacetada.
O Scientificarte foi idealizado pela professora Christine Ruta em 2005, inspirado por uma série de debates multidisciplinares durante o “I Congresso Internacional de Estudantes e Pesquisadores Brasileiros na França”, evento também organizado pela própria professora no contexto do “Ano do Brasil” em Paris. Dois anos depois, em 2007, o Scientificarte foi reconhecido como projeto de extensão no campus da UFRJ em Macaé, tornando-se, assim, o primeiro projeto institucional de extensão deste campus. Em 2018, o Scientificarte transferiu sua sede para o Laboratório TaxoN, do Instituto de Biologia na Ilha do Fundão, UFRJ. Desde então, tem promovido o diálogo entre ciência e arte, oferecendo uma abordagem inovadora à divulgação científica, tanto na educação básica quanto na superior.
O nome Scientificarte é um neologismo resultante da fusão de duas palavras: a primeira, “Scientia”, do latim, que é a raiz da palavra “Ciência” em português, e “Arte”, em português (Ruta et al., 2013)1. A escolha dessa combinação, mesclando elementos de diferentes idiomas, foi guiada pela estética da palavra, considerando sua beleza, sonoridade, ritmo e expressividade. O termo Scientificarte visa a transmitir a resposta gerada pelo indivíduo ao perceber, conhecer e aprender ciência por meio da sensibilização pela arte, formando um indivíduo que reflete cotidianamente sobre ciência e suas conexões com outros saberes. O nome do projeto transcende uma simples denominação – ele é um convite à ação, instigando cada indivíduo a se engajar ativamente no processo de descoberta e aprendizado científico. Em essência, é um chamado para despertar o interesse e o pensamento crítico em relação à ciência, expresso na frase: “Scientifica-te!”.
Metodologia do Scientificarte
O projeto emprega expressões artísticas como ferramenta metodológica para aprimorar as atividades cognitivas no ensino de Ciências. Ao adotar uma abordagem didático-pedagógica interdisciplinar que integra diversas áreas da arte, como pintura, dança, teatro e cinema, busca sensibilizar e dinamizar o ensino de Ciências. Essa sinergia entre diferentes campos do conhecimento não apenas enriquece a experiência educacional, mas também aproxima o público do prazer do contato com a arte, estimulando a criatividade e despertando talentos, especialmente em municípios do interior com acesso limitado à arte. Ao longo de quase duas décadas de existência, o projeto ofereceu oficinas presenciais nas cidades de Barra Mansa, Cabo Frio, Macaé, Paraty, Rio das Ostras, Rio de Janeiro e Volta Redonda, com a proposta de democratizar e interiorizar o ensino.
Em 2020, a pandemia provocada pelo novo coronavírus, a Covid-19, levou as instituições de ensino a se adaptarem ao contexto, implementando o ensino remoto, de acordo com as especificidades de cada localidade. Da mesma forma, projetos como o Scientificarte precisaram se ajustar ao contexto remoto. O Scientificarte se adaptou quase que instantaneamente, intensificando sua atuação nas redes sociais e na produção de recursos educacionais abertos. Desde então, além da atuação presencial, o Scientificarte tem também desempenhado um papel ativo nas redes sociais, buscando aproximar a comunidade online do meio acadêmico. As principais redes sociais do projeto são o Instagram, o YouTube e o Facebook.
O principal público do Scientificarte é composto por estudantes e professores do ensino fundamental e médio, especialmente da rede pública. O projeto oferece suporte pedagógico aos professores, disponibilizando materiais didáticos e criando facilitações para a adaptação dos conteúdos em sala de aula, integrando arte e tópicos de interesse com um enfoque especial no aprendizado de Ciências. Além disso, o Scientificarte busca democratizar e popularizar o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) nas plataformas digitais e promover Recursos Educacionais Abertos (REA) para facilitar a adaptação em diversos contextos escolares. É um projeto interdisciplinar, formado por uma equipe de docentes e discentes de diversas áreas do conhecimento, incluindo a Escola de Belas Artes, e as faculdades de Letras, Farmácia, Engenharia, Educação Física e Química, além de alunos de pós-graduação.
O projeto integra de forma indissociável as dimensões de ensino, pesquisa e extensão, fundamentando-se na compreensão de que essas atividades são complementares e se retroalimentam. Enquanto os membros da equipe desenvolvem oficinas e materiais pedagógicos focados principalmente em temas científicos para o ensino básico, também são criadas oportunidades para a realização de pesquisas sobre estratégias de ensino desses temas, bem como sobre os processos de aprendizagem e recepção dos conceitos pelos alunos. Os resultados dessas pesquisas orientam o desenvolvimento de novos materiais didáticos e ajudam a identificar conteúdos e temas que necessitam de apoio por parte de escolas, professores e alunos. Dessa forma, as investigações realizadas contribuem para uma abordagem pedagógica embasada em pesquisa científica e interação com a comunidade, fortalecendo o impacto educacional do projeto.
Desde a criação do projeto, o Scientificarte estabeleceu importantes parcerias que têm sido essenciais para seu sucesso. Um dos principais pilares do projeto é a interiorização da ciência, desenvolvida há mais de dez anos em colaboração com o Museu Interativo de Ciências do Sul Fluminense (MICInense), localizado em Barra Mansa. No museu, o projeto disponibiliza materiais e palestras, além de realizar cursos em conjunto com os mediadores da instituição. Esses cursos visam a promover a formação continuada de docentes, com foco especial na educação básica.
Principais resultados do Scientificarte
Em relação às mídias digitais do projeto, destacam-se o Instagram, que atualmente possui mais de 10 mil seguidores, um público composto por principalmente alunos e professores de diversos níveis de ensino. Esse número de seguidores indica a relevância da ação do projeto nas redes sociais, especialmente considerando que, conforme apontam Mendes e Maricato (2020)2, a divulgação científica tem se intensificado nas redes sociais, alcançando um público maior em comparação às mídias tradicionais, com o Instagram sendo uma das principais plataformas para veiculação de conteúdo.
O perfil no Instagram conta com mais de mil postagens, organizadas em categorias como “Ciência e Arte”, “Museando”, “Você sabia?”, “Literatura”, “Representatividade” e “Mapas Mentais”. Essas categorias abrangem temas variados, incluindo curiosidades culturais e científicas. Um dos principais produtos do projeto são os “Mapas Mentais”, disponibilizados como recursos educacionais abertos (REA). Esses materiais estão acessíveis gratuitamente através do linktree do Instagram do projeto (https://linktr.ee/scientificarte). Além disso, destaca-se a produção de reels em Libras, onde se ensina de três a cinco em Libras. Essas publicações semanais alcançam milhares de visualizações, ampliando o alcance e a acessibilidade do conteúdo educacional.
Em relação às atividades presenciais, o projeto Scientificarte realizou mais de 30 oficinas interativas interdisciplinares para o ensino básico, focadas nas áreas de Ciência e Arte. Desde a sua criação, o Scientificarte já recebeu mais de 30 mil participantes em suas oficinas, provenientes de diversos municípios do Rio de Janeiro, além de instituições, espaços abertos e eventos regionais, nacionais e internacionais. Dentre as oficinas, destacam-se: “O Reino das Águas Claras e Escuras”; “Jogando Xadrez com o Scientificarte”; “Desenhando a Água com Monet”; “Viagem Submarina”; “Agroartizando com Arcimboldo”; e “Bioarte no Mangue”. Cada oficina utilizou diferentes elementos artísticos, como literatura, cinema, música e pintura, para enriquecer a experiência educativa e estimular o interesse dos participantes (Silva & Oliveira, 2022). Atualmente, as oficinas também são realizadas no laboratório TaxoN, localizado no campus UFRJ Ilha do Fundão, onde o público tem a oportunidade de interagir com pesquisadores e vivenciar práticas em um ambiente de pesquisa.
Também são resultados notáveis do projeto Scientificarte os estudantes que participaram do programa e que hoje atuam no ensino, pesquisa e diversos campos profissionais. O projeto já acolheu mais de 30 alunos estagiários e foi reconhecido com diversos prêmios por suas contribuições à educação e divulgação científica. Além disso, o Scientificarte publicou vários artigos na revista Ciência Hoje das Crianças, onde é possível consultar mais sobre o trabalho desenvolvido pelo projeto:
- O quebra-cabeça do corpo humano
- Minhoca gigante?
- Vizinhos em apuros
- Minhocão do mar
- Quando as mãos falam
Perspectivas futuras para as próximas décadas
O Scientificarte, ao se aproximar de uma nova década, continua comprometido com a promoção de uma educação que une, enriquece e transforma. Inspirados pela visão de Morin (2000), que afirma que a educação do futuro deve ser a educação da compreensão, e essa compreensão só pode ser verdadeiramente universal se souber situar cada um de nós dentro de um mesmo local de destino, o projeto busca formar cidadãos mais conscientes e integrados em um pensamento global e complexo. Nesse contexto, uma das principais metas do Scientificarte para os próximos anos é alinhar suas ações aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU (Figura 5), com ênfase no ODS 4, que visa assegurar uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade, promovendo oportunidades de aprendizagem para todos (ONU, 2021).
Ao trabalhar em conformidade com os ODS, o Scientificarte reforça seu compromisso com uma educação que prepara os estudantes para serem cidadãos globais, fornecendo apoio para o enfrentamento dos desafios contemporâneos. Com essa abordagem, o Scientificarte se posiciona para a sua próxima década como um projeto de inovação educacional, dedicado a moldar um futuro mais inclusivo e sustentável para todas as pessoas.
Notas
- RUTA, C. et al. Scientificarte: um modelo didático baseado na percepção da Arte enquanto forma de aprendizado para o ensino de Ciências. Divulgando a Extensão. Disponível em: http://boletim.pr5.ufrj.br/index.php/artigos/cultura/7-scientificarte-um-modelo-didatico-baseado-na-percepcao-da-arte-enquanto-forma-de-aprendizagem-para-o-ensino-de-ciencias. Acesso em: 3 de junho de 2024. [voltar]
- MENDES, M.; MARICATO, J. Das apresentações públicas às redes sociais: apontamentos sobre divulgação científica na mídia brasileira. Comunicação & Informação, v. 23, p. 1-16, 2020. [voltar]
- Christine Ruta
Coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, professora do Instituto de Biologia/CCS, Coordenadora do Laboratório Integrado de Organismos Marinhos (LABIOM), Co-Coordenadora do Museu Interativo de Ciências do Sul Fluminense e Coordenadora do Projeto de Extensão Scientificarte. Atua nas seguintes linhas de pesquisa: Zoologia, Ecologia, Divulgação Científica e Educação em Ciências e Biologia em Espaços não formais. E-mail: christineruta@gmail.com
- Rachel Soutelinho Ferreira Zacarias Carvalho
Professora pela UFRJ e Mestranda em Ensino de Biociências e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz. Possui como linhas de pesquisa: Ensino de Ciências e Biologia em Espaços não formais e para Surdos. E-mail: rsoutelinho@gmail.com
- Meriane dos Santos Paula
Bióloga e Mestre em Ciências Ambientais e Conservação pela UFRJ. Suas linhas de pesquisa compreendem Zoologia, Ecologia, Etnobiologia, Divulgação Científica e Ensino de Ciências. E-mail: meriane.paula@gmail.com