Rádio UFRJ, um sonho que se sonha junto

Marcelo Kischinhevsky, 22/07/2020

De Skitterphoto no Pexels

Antigo projeto universitário, a Rádio UFRJ se efetiva em 2020, construindo seu espaço e sua audiência e reafirmando a atualidade dessa mídia

O ano do centenário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) passa bem longe do script das comemorações inicialmente planejadas para a maior e mais tradicional instituição federal de ensino superior. A pandemia da Covid-19 impôs uma série de desafios, levando à suspensão de atividades presenciais de ensino e a uma inédita mobilização das diversas áreas de conhecimento no enfrentamento ao novo coronavírus. A Universidade, contudo, não parou. Devido às orientações epidemiológicas, não podemos ter salas de aula e auditórios cheios, mas podemos planejar o futuro e ampliar a comunicação com a sociedade, diante da escalada de ataques à ciência, à mídia profissional e à própria democracia.

Um passo importante nesse sentido foi dado em 2020, com a assinatura de acordo de cooperação entre a UFRJ e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) para operação de um canal educativo em FM no Rio de Janeiro, na frequência de 88,9 MHz. Trata-se de uma vitória importante para todos que acreditamos no potencial educativo, inclusivo, de construção coletiva do conhecimento, oferecido pelo rádio. E a formalização da parceria dá contornos vívidos a um sonho igualmente centenário. Um sonho que começou com a participação decisiva de intelectuais como o médico, antropólogo e educador Edgard Roquette-Pinto – criador do setor de Difusão Cultural do Museu Nacional e ex-diretor da Faculdade Nacional de Medicina da então Universidade do Brasil – e o engenheiro e astrônomo Henrique Morize – professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e ex-diretor do Imperial Observatório do Rio de Janeiro – na criação da pioneira Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923. Um sonho retomado em fins dos anos 1980, com o ativismo estudantil ligado ao movimento de rádios livres, o que possibilitou, na década seguinte, a regulamentação da radiodifusão comunitária. Um sonho que, enfim, em 2014, resultou na destinação de um canal à UFRJ para operação em parceria com a EBC.

Trata-se de uma vitória importante para todos que acreditamos no potencial educativo, inclusivo, de construção coletiva do conhecimento, oferecido pelo rádio.

Não foi, no entanto, um caminho fácil. A UFRJ começou a enfrentar crescentes restrições orçamentárias a partir de 2015, enquanto a EBC também passava por sucessivas gestões, trazendo insegurança em relação ao futuro da parceria. Mas, a despeito das adversidades, o trabalho foi sendo conduzido no âmbito do Fórum de Ciência e Cultura (FCC), culminando com a formalização do Núcleo de Rádio e TV (NRTV), órgão suplementar de ensino, pesquisa e extensão vinculado ao FCC e reconhecido pelo Conselho Universitário em 2018. Diante da falta de recursos, buscaram-se emendas parlamentares que pudessem viabilizar a compra de equipamentos e o custeio de atividades. Nesse longo e penoso processo rumo à institucionalidade e à estruturação do NRTV, tiveram papel decisivo os ex-diretores Fernando Salis (professor da ECO/UFRJ) e Caio César Loures (técnico administrativo do Núcleo), apoiados por uma equipe pequena, mas aguerrida, formada durante as gestões do ex-reitor Roberto Leher e do ex-coordenador do FCC Carlos Vainer.

A partir de 2019, com a posse da nova reitoria, liderada pela professora Denise Pires de Carvalho e por seu vice, professor Carlos Frederico Leão Rocha, e a nova coordenação do FCC, sob responsabilidade da professora Tatiana Roque, o projeto ganhou nova direção, mas manteve o norte de investir na divulgação científica e tecnológica e numa comunicação pública e educativa de caráter dialógico e inclusivo.

Um sonho retomado em fins dos anos 1980, com o ativismo estudantil ligado ao movimento de rádios livres, o que possibilitou, na década seguinte, a regulamentação da radiodifusão comunitária.

A assinatura do acordo entre a UFRJ e a EBC – que contribuirá com quatro horas de programação informativa e educativa por dia – coroa esses esforços. A Rádio UFRJ estará, num futuro próximo, em FM, ajudando a integrar a comunidade acadêmica e a ampliar o diálogo com a sociedade como um todo. Desde já, passamos a integrar a Rede Nacional de Comunicação Pública, que congrega outras oito rádios universitárias operadas em parceria com a EBC, além das tradicionais rádios MEC AM e FM, rádios Nacional AM do Rio de Janeiro, Brasília, Alto Solimões e Amazônia, Nacional FM de Brasília e as rádios das Forças Armadas. Paralelamente, atuamos também na articulação da Rede de Rádios Universitárias do Brasil, entidade em fase de constituição que reúne dezenas de emissoras vinculadas a instituições de ensino superior públicas (federais e estaduais), privadas, confessionais e comunitárias.

Mas que rádio é essa com que sonhamos? O que podemos escutar em sua programação? Este é um desafio adicional, pois cada cabeça guarda uma sentença. Foi necessário pensar coletivamente e, sobretudo, ouvir a comunidade. Uma pesquisa de opinião, conduzida por alunos de Publicidade e Propaganda sob supervisão do professor Cristiano Henrique Ribeiro dos Santos, da ECO/UFRJ, balizou a construção de uma programação inicial, voltada para os públicos jovem e adulto-jovem (18-34 anos de idade), buscando contemplar ao máximo a diversidade desta cidade de médio porte que é a UFRJ. Uma série de apresentações foi realizada nos diversos campi e centros setoriais para debater o projeto e promover uma escuta das demandas da comunidade acadêmica. Um edital para seleção, produção e veiculação de conteúdos está aberto e já foram recebidas mais de quinze propostas, das mais diversas áreas de conhecimento.1 Além disso, uma segunda chamada para integrantes do Conselho Curador da emissora será lançada em breve.

A Rádio UFRJ estará, num futuro próximo, em FM, ajudando a integrar a comunidade acadêmica e a ampliar o diálogo com a sociedade como um todo.

As transmissões experimentais começaram em outubro de 2019, 24 horas por dia, na página www.radio.ufrj.br. A equipe vinha trabalhando na construção de uma programação musical qualificada e na produção de conteúdos de divulgação científica, prestação de serviços e debates de questões menos perecíveis, enquanto ajustes (ainda em andamento) eram feitos no site e nos perfis em mídias sociais. Tudo mudou, no entanto, com a pandemia. Num momento de intensa circulação de notícias falsas que colocam em risco a saúde pública, a equipe da Rádio se mobilizou para produzir conteúdo informativo de qualidade e auxiliar no enfrentamento ao novo coronavírus. As reportagens ganharam espaço no hotsite www.coronavirus.ufrj.br, criado pela força-tarefa da UFRJ de combate à Covid-19, e passaram a ser compartilhadas pelas mídias sociais da emissora (Facebook, Instagram, Twitter), nas plataformas de streaming (Spotify, Deezer, Apple Podcasts, Google Podcasts, iHeartRadio, entre outras) e até na Alexa, assistente de voz dos smart speakers (alto-falantes inteligentes) da Amazon. Em pouco mais de dois meses, superamos a marca de 30 mil downloads das nossas reportagens.

Diante de um novo ecossistema midiático, marcado pela atuação das grandes plataformas digitais, o rádio pode ser subestimado e considerado um investimento secundário, ainda mais em tempos de severa restrição orçamentária. Mas o alcance do meio, caracterizado pela resiliência, é notável. De acordo com o Book de Rádio 2018, da Kantar Ibope, 86% da população das treze principais regiões metropolitanas escutam rádio regularmente, sobretudo em FM, e três em cada cinco brasileiros o fazem todos os dias. O tempo médio nacional de escuta é de 4h40min diárias; no Rio de Janeiro, é ainda maior: 5h18min. A audiência ainda é predominante em aparelhos receptores comuns: 85%. Mas a escuta pelo telefone já chega a 18% do total e pelo computador, a 4%. O tempo de escuta via internet não para de crescer: chegou a 2h21min em 2018, contra 2h7min no ano anterior.

Num momento de intensa circulação de notícias falsas que colocam em risco a saúde pública, a equipe da Rádio se mobilizou para produzir conteúdo informativo de qualidade e auxiliar no enfrentamento ao novo coronavírus.

O rádio figura no topo dos rankings de credibilidade sistematicamente, graças à relação de vínculo afetivo proporcionada pela comunicação sonora. Levantamento do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) para a XP Corretora, realizado em março de 2019, corrobora estudos anteriores e aponta o rádio como meio mais confiável para 64% dos entrevistados – TV e jornal impresso ficaram com 61% cada, bem acima de portais de notícias (32%) e blogs (28%).

O rádio expandido pelas tecnologias digitais, disponível em múltiplos dispositivos e suportes, tem agora uma oportunidade inédita: romper com a tradicional fugacidade do meio e assegurar uma circulação ainda mais ampla de seus conteúdos. Mas não se trata apenas de uma questão de oferta, mas também de fomento à demanda. Uma rádio universitária deve construir um relacionamento com sua audiência, e não apenas usar as plataformas para distribuir conteúdo. É preciso inverter a agenda, estimular uma efetiva participação dos ouvintes na construção da pauta da emissora, no que deve ser tema de reportagens, debates, entrevistas.

A Rádio UFRJ deve ser uma agregadora. Trabalhamos para que a audiência se identifique com a emissora e veja nela um espaço de trocas, de representação de nossa diversidade e pluralidade de opiniões e visões de mundo, sempre comprometida com uma comunicação educativa e democrática e com a construção coletiva do conhecimento. Para isso, contaremos com uma rede de colaboradores, incluindo a Coordenadoria de Comunicação Social (Coordcom) e profissionais de comunicação de diversas unidades e centros setoriais da UFRJ, além de servidores e discentes interessados na divulgação científica e tecnológica através da radiofonia.

Uma rádio universitária deve construir um relacionamento com sua audiência, e não apenas usar as plataformas para distribuir conteúdo.

E você, como você pode ajudar nessa iniciativa para pensarmos a UFRJ, o Rio e o Brasil dos próximos cem anos? Esperamos sua contribuição para que possamos estabelecer esse diálogo ampliado e sonharmos juntos um futuro melhor. Afinal, como já dizia Raul Seixas “sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”.

O que eles falaram sobre a Rádio

A criação de um canal FM educativo da UFRJ marca o ano do centenário da instituição e muito honra a comunidade acadêmica. É uma conquista há muito tempo esperada, que, neste difícil ano de 2020, se concretiza. A Rádio UFRJ é um instrumento fundamental para a transmissão de conhecimento científico, artístico e cultural, transversal a todas as áreas do saber. Que a UFRJ possa divulgar cada vez mais e irradiar o conhecimento produzido pelo povo brasileiro, despertando a emoção e nos livrando das agruras do dia a dia! Que cada vez mais boas notícias possam ser transmitidas, com a garantia da veracidade e da excelência acadêmica, o que é fundamental nesta época de tantas notícias falsas! A UFRJ mais uma vez rompe as barreiras e atua para o avanço da sociedade brasileira na fronteira do conhecimento e da divulgação científica.

Denise Pires de Carvalho e Carlos Frederico Leão Rocha, reitora e vice-reitor da UFRJ

O acordo de cooperação com a UFRJ, a maior universidade federal do país, é estratégico para a EBC, para o fortalecimento da Rede Nacional de Comunicação Pública e para a população, na medida em que amplia a veiculação de conteúdos educativos e culturais e possibilita a formação do público no Rio de Janeiro, por meio da Rádio UFRJ.

Luiz Carlos Pereira Gomes, diretor-presidente da EBC

É um grande marco a assinatura desse contrato. Uma rádio FM, com o alcance que tem, estará disponível para toda a comunidade da UFRJ e também pode nos levar para além de seus muros, justamente no momento em que a Universidade mais precisa se comunicar com a sociedade. Parabéns a todos que ajudaram, tanto antes quanto agora, na construção desse projeto!

Tatiana Roque, coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura


Texto recebido em 19 de junho de 2020.

Notas

  1. Detalhes sobre como participar podem ser obtidos na página https://www.radio.ufrj.br/sobre#edital. [voltar]
Marcelo Kischinhevsky

Diretor do Núcleo de Rádio e TV da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), leciona nos cursos de Rádio e TV e Jornalismo da Escola de Comunicação e também no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor e mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ e bacharel em Jornalismo pela mesma instituição. É autor de livros como Rádio e mídias sociais – mediações e interações radiofônicas em plataformas digitais de comunicação (Ed. Mauad, 2016) e O rádio sem onda – convergência digital e novos desafios na radiodifusão (E-Papers, 2007). E-mail: marcelok@forum.ufrj.br.

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